O olha de quem sabe

Letícia Figuerêdo
2 min readJul 26, 2023

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O olhar de quem sabe da morte, da iminência dela, da chegada muitas vezes lenta, da via que será dolorosa. A certeza que está indo embora. Estampada no fundo dos olhos, tristes, baixos, doentes, cansados. Olhos que expressam dor, medo, aflição, desespero. Olhos que não entendem, apenas sentem.

O câncer mata aos poucos.

Em momentos de cura, felicidade. Mas nas outras vezes, dói mais ainda assistir a tristeza da metástase. É ser devorado vivo. Lutar contra o micro que devasta, se espalha como praga e mata.

E ela sabe que vai morrer. E seus olhos estão lá, fixos me olhando, gritando por socorro. Sua respiração ofegante, cansada, um pulmão com pouco ar, a máscara no rosto, deitada de ladinho muito bem acomodada. Em sua mão um terço. Já perdi as contas de quantas vezes ela rezou com cada bolinha. Ela também perdeu as contas. Mas a fé… poucos entendem a fé de quem sofre sabendo que está morrendo. Não existe esperança no olhar. Tento decifrar quais são as orações, as preocupações, qual a dor. Pra ela pode ssr desesperador. Mas pra mim, também. A via é sempre dolorosa: pra quem sente, quem assiste, quem cuida.

O olhar dela é de quem sabe que está indo embora, aos poucos, ela vai orando e Deus vai levando. E eu vou cuidando, e observando sua partida, e cuidando de sua dor, e dando condições de uma morte que será lenta, mas não dolorosa.

A emergência médica é uma caixinha de surpresas. Cada paciente é um livro aberto e extenso. E todo dia eu aprendo com eles. E todo dia eu aprendo com a dor dos outros porque de alguma forma dói em mim também. E a gente se blinda e se entrega pea dar o melhor de si. Porque os olhares existirão e continuarão me olhando, e eu seguirei tendo compaixão e sendo o mais humana pra entregar toda a calma que aqueles olhos tão agitados precisam, todos os dias, até não saberem mais de nada.

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Letícia Figuerêdo

"Não existe amor sem medo" Caos instalado e palavras soltas. 28 Natal-RN/BRASIL - 09/01