A distância entre o céu e o inferno

Letícia Figuerêdo
2 min readJun 8, 2024

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Eu gosto do silêncio que ninguém sabe. Do meu silêncio que ninguém sabe. As vezes ainda tento falar algo, mas não sai muita coisa. Existem mãos imaginárias que calam minha boca, sufocam meu ar e me batem no rosto mandando calar, pois, ninguém liga. Não acho palavras certas, muito menos um início lógico pra tudo ser colocado pra fora.

A distância entre o céu e o inferno pode ser separada por tempo, e não centímetros. São os segundos que nos separam daqui e dali. No meio, existe o abismo, existe todo o silêncio que aquelas mãos calaram. E quando você percebeu, não existe mais nada. O silêncio se transforma em nada, sua vida não passa pela cabeça, as pessoas que você ama desaparecem. Os gritos estão lá, distantes. Um “eu te amo” foi o máximo que você conseguiu falar, e nada mais. O estado de êxtase é tão grande que os gritos são mudos, não te tocam. Os olhos de desespero são apenas olhos. Pela primeira vez descobri como é, de fato, não sentir nada. A distância entre o medo e a coragem é isso: não olhar pra trás.

É como se não tivesse o que olhar. Nada te toca. Nada te abala. Pela primeira vez é você e nada mais, mais ninguém. É essa a sensação quando você dá o primeiro passo. Autocontrole. Aquele milésimo de segundo entre tomar ou não tantos comprimidos, é o que te separada do céu ou do inferno. E quando falo dessa dicotomia, vou muito além de Deus. Falo desse ímpeto, desse momento breve de lucidez capaz de mudar tudo e, por fim, a sorte. Sim, até na hora do fim precisamos dela.

E é aqui que entra mais uma vez o tempo. O tempo de falha, de transferência, de agonia, da ligação, o tempo do surto coletivo. E por muitos momentos você só torce pro tempo passar beeeeem devagar. Mas, de alguma forma, tudo acontece muito rápido, muita gente chega, muita gente te carrega, e num piscar de olhos você está no hospital.

E em meio às lágrimas dos outros, me resta dizer, não pra mim mesma, mas pros outros: vai ficar tudo bem. Seja com sorte ou azar do tempo. Vai ficar tudo bem. Já não tinha lágrima escorrendo, o coração estava tranquilo. Meu eu da infância já não me habitava, meus sonhos sequer existiram, o amor por mim, pelos outros e para os outros… nada disso me impediu. Essa é a diferença entre morrer e querer a morte: ela já chegou há muito tempo, a gente só não aceita.

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Letícia Figuerêdo

"Não existe amor sem medo" Caos instalado e palavras soltas. 28 Natal-RN/BRASIL - 09/01